quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Futilidade e Estupidez – Capítulo 1

E olhando pra aquele rapaz, de seus 30 anos, no chão, pernas cruzadas, rezando e agradecendo pelo arroz e feijão, me senti incomodado por reclamar que ainda era terça-feira e a semana ainda estava começando. Pra ele, já era terça-feira. Que eu teria de ir a faculdade, e que aquele maldito restaurante que não tinha azeite. “Vida difícil!”. Pobre mortal. Eu, no caso. Certas coisas nos aparecem como mensagens, basta termos os olhares atentos a isso.

No meio de tanta gente, tantos olhares e passos apressados, fixei minha atenção ao rapaz e sua oração baixa, silenciada por um multidão com pressa de andar e pra viver. Ele reza porque sabe que talvez amanhã a história seja diferente e que a fome possa ser sua má companhia. Ele sabe que aquela marmita traz muito mais do que a chave pra fome. Traz esperança.

No mais, me senti menos com toda a devoção daquele rapaz. Não pela devoção dele, mas pela minha “não-devoção”. Lembrei que me esqueço de agradecer por tudo que tenho e que graças a Deus me possibilita a oportunidade de procurar em mais de um restaurante, o azeite que me satifaz.

Ele pedia dinheiro e ajuda mas na verdade quem lhe deve um muito obrigado sou eu. Seu gesto foi algo como um TCC ilustrativo com o título “Futilidade e Estupidez – Capítulo 1”, para que eu possa aprender. Espero não ter que ler o volume dois.

Vi que ás vezes a gente reclama de barriga cheia. E que ele reza de barriga vazia.


Guilherme Vilaggio Del Russo

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Alguma coisa

Não consegui dormir; tudo começa com a insônia. Então comecei a escrever uma carta - escrever me cura da nicotina - e pensar na bagunça que está a minha vida, eu nem sei como começar a descorre-la, o bom é que uma coisa costuma puxar a outra, até que tudo, esteja por fim, caído.
Dois goles de café, três folhas amassadas pelo chão, e o meu caderno ainda inteiro por completar. E depois, essa maldita angústia que não me larga! Só pode ser por causa do domingo, meu corpo não se acostuma nunca.
Hoje eu só quero vestir meu par de fones e esquecer de quem sou, dentro de quaqluer ônibus barato. Queria tanto que o tempo resolvesse parar nesses meus últimos meses, só até eu planejar alguma coisa.

Milena Lieto Samczuk

Sobre o passado

Aquela cara de desastre vestia tudo a sua volta. Ela só gostaria de ter pípulas que carregassem toda a angústia para longe do seu alcance, num canto escondido bem no fundo do seu corpo. Sim, seria pedir demais adiar os problemas, pois tudo se acumularia de qualquer forma no fim. Não se pode esquecer uma decepção, não tão fácil assim.
Algumas músicas a empulsionaram escrever. Mas não cartas de amor, implorando para a sua felicidade continuar nos braços de quem sempre esteve. Ela mal conseguia assistir seu sorriso através do espelho - havia ficado muito amarelado.
Agora, só faltava aturar o seu pior pesadelo até que terminasse. Enquanto isso, prometia para as paredes de seu quarto e para os quadros mortos do corredor, que iria parar de chorar em vão. Porém, vãs, eram suas próprias promessas. Tudo bem, vai... pelo menos o escuro escondia a sua tristeza, e o futuro, mais tarde, a confortaria com erros engraçados. Percebe sua vida começando à partir desse não ardido? Sei que é difícil, mas tente entender: foi apenas a negação de uma escolha única; te sobra todo o resto. Já está na hora de cair em si.
- Ei, não volte para mim.
A liberdade se fantasiou de mudanças que ela ignorou por tanto tempo, que agora lhe corre pela espinha uma enorme sensação de vergonha. Que puta idiotice! Mas sempre dá tempo, tem que dar. Coloque os óculos, querida. Você já pode ver.

Milena Lieto Samczuk

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Em Concordância com Dom Chico Chicote

Acuso esta cidade de ter esquecido seu bom jeito e sua boa índole. Seu repertório de pessoas anda grande em número e pequeno em profundidade. Pessoas rasas! Acuso a mesma de simplesmente não ser a mesma. A paixão foi trocada pelo cimento. Tornou as pessoas duras. Já não ouço os sons de passáros e eu, sempre tão falante, hoje estou me contentando com o silêncio de uma cidade que já produziu notas mais bonitas.

Você, esqueceu-se da arte! E dos artistas. A arte não tem preço e você anda cobrando caro demais pela entrada e pelo conhecimento que deveria ser de todos, de muitos, de graça. Você se tornou de plástico quando deveria ser de concreto, de verdade. Ah, acuso esta cidade de ter trocado o riso pelo choro! O verde pelo cinza.

Você, deveria seguir uma melodia acidentalmente bem pensada antes de qualquer coisa, um fluxo natural, como a Bossa Nova, mas se rendeu a mesmice do que já é velho e ultrapassado. Ver mortes e sentimentos mesquinhos já virou rotina. Novos prédios andam se erguendo em ti. Prédios... há tempos que não vejo parques sendo abertos. Falta uma pá de cimento para esse clichê, que tanto buscamos, o tal de desenvolvimento sustentável.

Por fim, acuso você de só estar crescendo horizontalmente e verticalmente! Mentalmente, quase nada.

Guilherme Vilaggio Del Russo

sábado, 9 de agosto de 2008

Sem justificativas

E daí que eu ainda levanto cedo, que calço meu tênis as seis da manhã, visto uma camiseta amarelada e caminho atrás de um ano de atraso naquela que deveria já ser a minha antiga escola? Eu não ligo a mínima para o que pensa aquele monte de aluno que está na sua chance certa. Tá, talvez eu até sinta alguma inveja medíocre, insignificante. Pode até ser que as comparações com meu irmão mais velho - que realmente existem - e aqueles olhares de decepção que meus pais despejam em cima de mim sejam exagerados pela minha cabeça, alguma medida desregulada de desconfiança. Ou, quem sabe, o inferno de olhar para o espelho e se decepcionar. Depois do almoço eu sinto a prévia do sabor que teria aquele que seria o meu futuro. Isso mesmo, aquele que deixei escapar pelas mãos, que escapou com as cochiladas, com a desilusão de se achar adolescente de mais para levar alguma coisa a sério. Vou pulando a partir daí, de galho em galho, sonhando o sonho dos outros, porque até a intimidade com o meu, eu fiz questão de perder. Mas pode deixar que eu o encontro de novo. O objetivo é aquele que eu rabisquei bem grande na porta do armário, para me encher de fé sem religião, de gana toda vez que troco de roupas, toda vez que vou sair de casa.
E daí que a fumaça faz mal, que intope os meus pulmões, que amarela os meus dentes? A falta de aventura é o que mais provoca deslizes e acentua a ausência da prática. Não quero justificar um vício com a possível falta de sorte que alguém pode ter morrendo em um acidente. Simplesmente não quero justificar meu vício. Podem acreditar que ele supre uma falha na minha personalidade, que é algum tipo de adereço, ou até mesmo culpa da ansiedade. E se for, que seja.
Qual a quantidade necessária de perigo para uma pessoa se sentir de verdade viva? É algo que não se mede, e querem controlar muito a nossa vida - a minha vida. E se eu resolver arriscar o meu oxigênio? Aposto sim, aposto que vai chover amanhã, aposto que vou enjoar de muitas pessoas, e aposto que posso estruturar meu futuro em um castelinho de cartas de baralho. E se por acaso desmoronar, a gente tenta algo novo. As coisas vivem mudando. Então me diz, porque seria diferente para mim?

Milena Lieto Samczuk

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Verbo Amar

Impessoal. Imperfeito e subjuntivo, subjetivo. Prefiro chamá-lo de irregular. Nunca um verbo foi tão mal usado no presente. Ele me indicativo, quando é radical. Indica qual caminho, pra onde ir, quem escolher. E poucas vezes o usamos também no futuro.

Deixaram de gostar, de adorar. Tudo se ama. Eu o uso em primeira pessoa pra explicar como a terceira importa para mim. Também usado no segundo após o beijo. Se usado na segunda pessoa, te causa boa impressão. Não deveria ser usada só na segunda. Mas sim nas terças, quartas, quintas e por aí vai. É sempre bom surpreender.

Ah, ele também é imperativo! E hiper-ativo. Quem nunca viu um dia mais colorido quando se ama de verdade? Só porque, partindo do princípio que o partícipio “Amado” é inflexível, as pessoas também deveriam ser? Tempo verbal mal! Usado e abusado pela primeira pessoa do plural.

Sou contra aqueles que dizem que ele é verbo simples! Nunca! Ele sempre é e vem composto. Composto com outros sentimentos, emoções e sorrisos. Tem forma nominal, mas o seu nome é segredo. Como algo tão complexo e infinitivo pode perder tanto seu significado hoje em dia? Parece que não tenho mais voz, então me junto as outras vozes verbais, e digo: Ele não se explica. Ele se sente. Mas hoje não mais, se valoriza! Ponto final.


Guilherme Vilaggio Del Russo

domingo, 3 de agosto de 2008

Mau Sinal

Cheiro de Chuva. O momento anterior a qualquer pingo de água. Você não vê, mas sente. Particularmente, nunca foi um bom sinal para mim. Sempre me trouxe a previsão de tempos difíceis, de tempo "nublado", o Antes de uma tempestade. Meu horóscopo parece concordar e justamente hoje veio me dizer que meu signo tende a passar momentos complicados. Pra ser sincero, nunca acreditei muito no horóscopo. Mas bem que ele podia dizer algo de positivo hoje, para ir de encontro a esse mal que parece próximo.

"Pai nosso que estás no céu, santificado seja...". Não, eu não tenho moral. Sinto-me acolhido, vulnerável e meus olhos estão embaçados. Nem jogando água no rosto pude me perceber mais nítido no espelho. Quem dera mais nítido no futuro. E esse cheiro de chuva, companheiro de quarto, que não passa nunca! Pode chover! Por maior que seja essa tempestade, eu não vou afundar.

É tempo de se recolher, para depois buscar o sol.
Odeio a expectativa do pior. Chove! Pra que eu possa trocar o advérbio. Pra, "melhor".


Guilherme Vilaggio Del Russo