segunda-feira, 28 de abril de 2008

Quando encosta o fim

Deve ser horrível envelhecer. A cozinha branca tinha alguns detalhes em preto e cinza, e a mesa intupida de comida, estava cercada pela família toda. Um homem frágil feito um bebê tinha a pele manchada, a boca trêmula e os braços sem força alguma. Tantas vozes juntas e mesmo assim, seus ouvidos se perdiam nos seus olhos, que se perdiam no seu próprio passado. Ele assistia à sua infância, à sua timidez no primeiro encontro com a velha sentada ao seu lado, aquela moça de quando juntaram as vidas. Já foi neto, filho, irmão, pai, tio e avô. Já foi, e já está indo. Nem o relógio lhe agrada mais no pulso, o tempo passa assustador. Os gestos amargos creceram junto com os anos, e já não existem mais chances de consertar a maioria dos erros. Das coisas que ele vai deixar para trás, só sentirá falta do que nunca teve e deixou de fazer. Coisas que viraram um buraco, do tamanho do seu corpo, uma cova bem funda no esquecimento das gerações não nascidas.
Então ele se levanta, porque já é hora de ir. É hora de estar em casa, de tomar remédio, de ir dormir. As pernas desobendientes mal erguem sua coluna, e os braços desconfiantes se agarram a qualquer coisa para mantê-lo em pé. Fala do prazer de rever todos os presentes, um abraço e um beijo de cortesia para cada um. Sua mão passa pelo encosto de todas as cadeiras, pelo ombral da porta, e pela maçaneta também. Chega a ser vergonhosa a falta de precisão, mas ele finge que passa por cima, e que não acabou. Deixou a casa na esperança de voltar no ano que vem, mas vai saber quantas mais hemodiálises ou injeções de insulina ele irá sobreviver. É tudo uma questão de tempo.

Milena Lieto Samczuk

sábado, 19 de abril de 2008

Hino a todos os Raros

Somos uns sinceros num mundo onde hoje isso deixou de ser uma qualidade. As pessoas normais nos cansam. O modismo está fora de moda assim como o amor. Nossa luta em convencer os outros pelas palavras parece tão vã e difícil. Somos eternos rebeldes e inconformados com a podridão do ser humano. Mesmo assim, a gente estica e estende a mão para o primeiro desconhecido na rua.

A gente é daquele tipo discreto, mas marcante. Do tipo que experimenta um ou dois cigarros, só para ver se ele se adapta ao nosso estilo. Somos filhos dos anos 70, cheia de revolucionários e ideais, vivendo na mesmice de um século XXI, sem tom.No nosso relógio, falta um minuto para tudo: tudo dá tempo, o tempo dá tudo. Estamos em plena campanha contra a vaidade. Vaidade de sentimentos. Somos um apunhado geral de pessoas sem pudor de dizer eu te amo.

Resumindo, somos loucos pela vida, apaixonados pelo sorriso sincero, pelo sabor das palavras. Irmãos de all-star. Nos encontramos num trecho de nossas vidas e eu quero torná-lo para sempre. Diferentes,vibrantes e otimistas. Nós, somos raros...

Guilherme Vilaggio Del Russo

domingo, 13 de abril de 2008

Não era comigo

Ainda me pergunto como desvei sua atenção toda para mim. Não era comigo, e sim com seu desvio para todo mundo. Uma hora perco o que consegui tão fácil. Preciso aprender a te entreter, ganhar tempo para segurar você. Me falta força para te carregar por algum tempo, e sei também que te falta vontade para deixar de usar seus próprios pés. Planejo a vida de todos e reservo um espaço para mim, mas é impossível planejar você. Acho que sou espaçosa demais e parece que vou estar sempre atrasada. Ah, pontualidade nunca foi o meu forte mesmo.

Milena Lieto Samczuk

terça-feira, 8 de abril de 2008

Eu sou só eu...

Abri a gaveta e guardei o panqueke e o lápis de olho. Peguei o figurino e coloquei para lavar, mesmo sabendo que não haverá outra vez. Minha face pedia um pouco de água para me limpar, de tantos personagens durante esses 6 anos. Pela primeira vez, com a cara limpa e alma lavada, olhei-me no espelho e não vi nada mais que um rapaz de 19 anos. Mi vieram tantas falas, tantos gestos, bocas e caras que um dia já fiz, mas não são minhas. A partir de hoje, eu sou só eu...

Nestes 6 anos, o palco me deu a oportunidade de ser quem e como eu quisesse. E como me caiu bem essa idéia. Eu odiava ser eu mesmo, quando pequeno e buscava lá em cima, o meu refúgio, minha Terra-do-nunca. Fui mito, fui herói, fui parceiro, fui Eduardo, fui mocinho. Fui ladrão também. A partir de hoje, eu sou só eu...

Sentirei falta das borboletas brancas invadindo meu estômago e do antiquado método de “Merda” antes de cada apresentação. Como sentirei falta do calor do público chegando a mais um espetáculo, e eu ouvindo seus passos e gritos. “Eles estão lá fora e a culpa é de vocês. Eles estão lá, somente para ouvi-los.”,diziam os diretores. E é fato.

Todo ator tem seu papel perante a sociedade de atentar, mostrar e questionar toda nossa problemática diária. Saio convicto de que só destas maneiras lúdicas o ser humano vai se e nos compreender, em busca do comentado ( e não buscado), “mundo melhor”. E quando atingirmos, este patamar, o teatro-nosso-de-cada-dia terá cumprido o seu papel.

Eu poderia perder horas dizendo o quanto estar no palco me ajudou como homem, mas me contento em dizer que sou mais feliz.

Hoje, já não escuto mais o som abafado dos aplausos, nem tampouco emoções alheias, críticas ou elogios. Fiz e preciso continuar fazendo meu papel de cidadão, de homem, de ator. Cabe a cada um de vocês da platéia, ( seja a platéia de si mesmo, o tempo todo ) de nos questionar e formular hipóteses de como entender melhor tudo o que já foi dito.

Obrigado, teatro-nosso-de-cada-dia. Não, não leve isso como um adeus. Quem tem a arte independente no sangue, nunca renega suas origens. Leve como um... até logo. Hoje sou mais do que 1 em um milhão. Sou um milhão em 1. A partir de hoje, eu sou só eu...

Guilherme Vilaggio Del Russo.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Questão de gosto

Pega no meu braço, mastiga a minha vida e cospe suas respostas. Da dor que sobra na minha angústia se fez o combustível da sua fuga, e dentro daquele buraco que ninguém colocou em mim, ainda se perdem gestos. Não tenho mais forças para escalar o muro de dificuldades que você construiu entre a gente. O tempo envelhece as pessoas e os seus hábitos. Te vendo sério, ainda sinto falta da sinceridade no hálito da sua conversa. Se desfez o impacto, e o tempo passa descontraído, quase sempre destraído para o queríamos de nós dois. Não decidi escolher de um só para falar, se todos tem um restinho do mesmo; os atraentes cabelos escuros, as vidas e personalidades tortas, e os defeitos que me interessam.

Milena Lieto Samczuk