segunda-feira, 31 de março de 2008

De novo

Ele poderia pegar o melhor atalho de idéias, que ainda assim chegaria atrasado para me deixar um boa noite em cima do criado mudo e um beijo de sobremesa. Tudo bem, quando sou eu quem vivo reinventando o nosso tempo. Tem sempre um último ônibus para pegar, um jeito novo para te agarrar. Não faço o seu estilo, e você já percebeu que sua mão sufoca a minha. Mesmo assim, senti muito a sua falta hoje e da pontualidade física, do abraço perfumado de você, das piras com as pessoas que estão nas salas de luz acesa dos prédios ao nosso redor. Cheguei a me esquecer que sua altura e sua presença tão forte me cansam, cheguei a me esquecer que a perfeição não me encanta. Essa noite, com aquela luz amba do teatro, mais as minhas mãos dadas a roda cheia de ídolos, instantes antes do espetáculo começar, seu nome gigante veio e preencheu minha cabeça. Com as pálpebras escondendo meus olhos, visualizei seus caichinhos, senti sua voz acarinhar minha nuca, me arrepiei. Sou escorregadia, ausente, distante, eu sei. Mas por enquanto estou querendo grudar em você, de novo.

Milena Lieto Samczuk

sexta-feira, 28 de março de 2008

Novo Amigo Velho

Costumo abrir a janela todas as noites e olhar para os arranha-céus de São Paulo que pintam a cidade de cinza e dão uma boa “pitada-sem-sal” na vida de muitos de nós. Ontem não foi muito diferente disso.

Para mim, 10 minutos olhando nesta janela são suficientes para acordar melhor no dia seguinte. São nesses dez minutinhos escuros a minha frente, que ele sempre aparece. Aparece sem jeito, ás vezes apressado e meio pertubado. Não olha para trás, nem quer saber se e quando precisaremos dele. Nos dias em que mais estou ansioso por ele, sempre vem devagar, sempre vem sem pressa. E também nos dias em que já não espero por ele, ele vem com força e muda tudo, muda muito. É o único cara que eu conheço que não brinca de sentir saudade.

Confesso que já fomos inimigos mortais, mas hoje nos tornamos amigos daqueles que dividem longas histórias. Me disse certa vez, que as pessoas não costumam aceitá-lo, mas que não se importa a aparece de qualquer jeito. Pensando bem, creio que todos nós, precisamos dele. Um pouco, um pouco menos, no momento certo. Acho que o grande problema é saber lidar com este meu amigo. É aceitar que, e da melhor maneira possível, que ele traz, leva, afasta, ajuda, interrompe, mas que assim como qualquer um, faz parte da vida. Ontem, me disse que, no começo, as mudanças que ele traz parecem ruins, mas que o final, os sorrisos voltam.

E, como sempre, o fim dos meus dez minutinhos se passaram depressa, mas meu amigo me deu a certeza que hoje, ele vai aparecer de novo, dizendo aquelas frases "sem nexo" dele que “todos somos coadjuvantes, e ele o ator principal” e blá-blá-blá. Ele adora criar verdades e realidades.

Amanhã, antes de deitar, vou ouvir mais histórias. Histórias de um certo Tempo...

Guilherme Vilaggio Del Russo

quarta-feira, 26 de março de 2008

Me traz e faz tonta

Um cara passou pela gente e os espasmos, espasmos que eu não sentia dentro de mim ficaram naquela rua. A calçada dizia seu nome junto dos faróis dos carros. Eu não sei se aqui dentro, mas o conhaque, a cerveja, os tragos e a fumaça tinham a sua forma. Tudo pedia você. Aquela cidade, talvez aquele estado, ou até mesmo o meu estado. Mas minha coragem sempre de covarde me distancia do que eu nunca tive, e sempre - desde que acordei liberta - quis você.Das maiores dúvidas que moram em seus dedos eu lapidei a minha certeza, seja aqui, alí, hoje ou sempre. E cada vez mais lentamente meu cérebro, meus neurônios, e as células de todo o meu corpo giravam para fazer dos planos lembranças de coisas que ainda estavam por vir. Parece sempre que solto o mesmo som, que escolho a mesma marca para os diferentes passos que ressoam nossos atos. Não vou correr com medo ofegante de me cansar, mas descanso no cheiro que nunca senti, nas músicas que nunca ouvi, nos beijos que nunca dei. Mesmo em dimensões contrárias é você quem me traz e faz tonta.

Milena Lieto Samczuk

sexta-feira, 21 de março de 2008

Nós

Escorreguei nas letras do seu nome, afundei nas idéias mais terríveis. O fim do que me incomoda pode te libertar para algo ainda pior. Mudar sempre nos infla com muito gás, mas tem sempre aquele risco de explosão. Então preferi me sentar numa cadeira bem grande e confortável para esperar você perder a paciência e um pouco da segurança. A década pode até trocar, só que eu sei que o seu lugar é bem no meio do caminho. Com meus dedos apontados para uma mesma pessoa, as mãos fazem questão de segurar forte. Mas meus braços anseiam por abraçar o mundo e todas as suas possibilidades. Não sei escolher, e nunca me ensinaram a controlar a ambição. Por isso eu vou querendo sempre mais, de mim e de você, até que sejamos a mesma palavra: nós.

Milena Lieto Samczuk

sexta-feira, 14 de março de 2008

Lista de Botas

Ontem me deitei na cama e começei a esboçar a minha lista de coisas que preciso fazer antes de morrer ( ela anda tão em moda hoje em dia ). Mas, espere! Mal tenho meus vinte anos e já estou pensando em morrer?Pois é. Mal tipicamente burguês.
De qualquer modo, continuei. Pouco tempo depois, minha lista já estava com 25 itens e percebi que precisaria de mais uns 200 anos de vida ( e olha que exclui os itens "Discursar no plenário" e " Conversar com Fidel") . Mas logo me veio o porque de tanta coisa incompleta na minha lista: falta de ousadia, de querer mais.

Eu poderia muito bem estar indo atrás destes 25 itens do que simplesmente escrevendo-os, não é mesmo? Mal tipicamente burguês número 2: A gente vive planejando o que têm medo de viver. Então vi que passo muito tempo da minha vida, desperdiçando oportunidades de reduzir a minha lista. Vi que todos os dias resolvo e busco por "pseudo-sonhos" que, quando aparece a oportunidade fazer uma lista como esta, sequer são lembrados. São realizações impostas por uma sociedade, um sistema. Acho que, ( e aqui eu abro espaço para vocês estarem ou não comigo ) falta coragem para estar e agir para nossas próprias metas. Falta sermos um pouco mais de nós.

Obviamente, levantei-me apressado e joguei a lista no lixo. Eu, 20 anos incompletos, já estava atrasado para cumprir o que ME prometi. Afinal de tudo, o prazer da vida não está em escrever a lista. Está em cumprí-la.

Guilherme Vilaggio Del Russo

terça-feira, 11 de março de 2008

Vem

Ainda espero por suas tentativas. Eu faria de um tudo para alcançar sua perfeição. Mas suas mentiras são doces, brancas como a neve, e escorrem pelo bueiro depois que o sol as derrete. O sutil da sua aparição fez de mim um quadro, obra sua, pendurada na parede para uma doentia admiração. Não, eu não saberia explicar o que você não sabe explicar. Porém, escuto o que você não pode dizer. Seus pensamentos ganham volume quando seus atos decidem fazer papel de microfone. Então chega mais pra perto e me abrace por trás. Prometo deixar meu pescoço livre para você assinar com os dentes. Mas se você ousar mudar... não ouse jogar para trás dos ombros nossas manhãs cantando por bom dia! Deixa eu te mostrar todas as coisas que podemos fazer com nossas roupas jogadas aos pés da cama. Deixa eu te mostrar o cheiro do meu mundo, a cor que eu quero ver. Vem que suas aspirações já enchem meu pulmão, e os seus sonhos e os meus objetivos já são como irmãos.

Milena Lieto Samczuk

Empoeirado

Todos os dias eu pintava meu sorriso de amarelo. O cigarro que eu acendia a cada manhã se agarrava aos meus dentes. Eu despertava com uma dor de cabeça chata e incontrolável, era o ciúme me alfinetando. Ele desenhava maluquices para os meus olhos e eu coloria com ódio.Você foi meu ensaio. Foi ter o céu e não ter nada. Tentando ignorar o seu melhor, encontrei a parte mais podre de mim. E já que o meu melhor sempre quis te acompanhar, deixei que fosse.Era noite quando senti todos os ossos se quebrarem, furando alguma ponta da minha cabeça. Logo depois de eu ter colocado todo o seu peso dentro de uma caixa pequena. Aliviei meus ombros e cobri a poeira acumulada em cima do guarda-roupa. Com o tempo, você se cobriria de pó também; com o tempo, você se esconderia no passado, e ele te mancharia com o esquecimento. Aprendi a andar mesmo sem equilíbrio, seguindo sua linha reta, rabiscada de giz no asfalto. Você riscou e os meus pés a apagaram. Agora não lembro o caminho de volta para os seus braços, mas acredite, não estou perdida.

Milena Lieto Samczuk

Baile

O divórcio do silêncio profundo com o mais bonito escuro de olhos fechados, se deu com uma nota de piano; ela vibrou até que morresse muda. Queria não conseguir escutar os passos deslizando bem longe de mim, no salão do baile de formatura que não fomos. Os saltos riscam os nossos nomes no chão enquanto eles dançam a nossa valsa. Roubaram a nossa música, ela não se encaixa na festa deles. Nem o nosso vazio caberia no peito deles.A umidade nas paredes do meu mundo apodreceram o meu cérebro. Se cai um cisco, aqui dentro é tempestade e o céu desaba à terra.

Milena Lieto Samczuk

terça-feira, 4 de março de 2008

Tempo

Quanto dura a dor? Quanto dura o som, o amargo na boca e a imagem de um pensamento?
O tempo não respeita, ignora o nosso humor. É sensação, incalculável.
De tentar aprisioná-lo em números, gritamos a nossa escravidão perpétua. Criamos a maior distância de todas. Mimamos uma criança que contradiz às normas das nossas vontades. Quando ralentado vira o tédio, tão doloroso quanto uma súplica mal ouvida. Mas quando apressado é ladrão, roubando seu rosto jovem dos meus olhos, decompondo sentimentos e como uma traça desfazendo épocas, igual o asfalto que desgasta a sola do sapato. Um reflexo inverso do que quero, alheio aos meus movimentos. É uma esteira correndo, desprezando as pernas cansadas, arrasta qualquer um. As vezes aparece como o vento, sem cor ou forma, nos fazendo sentir o calor dos dias e o frio rigoroso dos longos anos. Há segundos mais demorados que semanas, e meses mais curtos que minutos.
Mesmo presa, prometo que por você, vou afogar meu passado, atravessar o presente e te colocar no futuro, no meu futuro.

Milena Lieto Samczuk

A Cortina da Minha Sala

Ontem pela noite vi que uma mariposa tinha acabado de pousar na cortina de minha sala, o que me trouxe a sensação de sorte. Sei lá, mas estes últimos dias, tenho reparado mais na cortina de minha sala. Ela andava tão suja e tão fechada que era impossível ver o que vinha adiante. Ela encobria o que vinha depois. Confesso que não vi ninguém tirando a cortina para lavar, muito menos vi alguém abrindo-a. Mas hoje ela me parece tão mais viva, tão mais transparente e bonita, que vejo, não só a mariposa que me indica sorte, mas também o que está atrás dessa cortina: o futuro, o logo-em-seguida, o dia depois.
Ah, se minhas cortinas falassem. Só elas me acompanharam durante dias felizes, dias de sol, de granizo, dias que eu esperava por alguém, dias em que eu só queria usar os panos delas para me esconder. Me deu a oportunidade de ver um futuro feliz e se fechou rápido quando eu precisei de um tempo só a mais na minha sala.
Cada dia mais tenho certeza que vejo a cortina do jeito que eu gostaria que vê-la e não como ela realmente é. E ela andava tão fechada.

Mas nunca é tarde para abrí-la e ver a poeira da sala se renovando um pouco. E você, como está a cortina da sua sala?


Guilherme Vilaggio Del Russo

domingo, 2 de março de 2008

Sonhos a sua maneira

Parei de tentar te advinhar. Já ficou cansativo decifrar seus braços cruzados, o silêncio acumulado pelos cantos. A vibração da porta que você bateu foi o pior dos socos que eu já tomei. Me tranquei no quarto com as luzes apagadas, e o cheiro forte da saudade quase me sufocou. Você e essa sua péssima mania de me deixar sempre o mais perto do chão. Somos tão diferentes quanto o oposto do oposto. Temos os mesmos medos e não venha você me dizer que a gente querer a mesma coisa é coincidência. Meu receio é de que a gente não termine, mas passe da validade.

Milena Lieto Samczuk