quinta-feira, 29 de maio de 2008

Eu não sei rezar

Digo que ainda não sei o que é Deus para mim. Comprei um escapulário para me proteger de medos que eu só ouço de terceiros. Preucação. Existe alguém lá em cima que nos dá força para continuar “todo-dia-santo”, mas não me obriguem a saber seu nome, nem quem é ele. Eu faço minha própria fé. Eu não sei rezar.

Todos os dias recebo papéis que me ensinam a quem, como e quando rezar, mas me perdoem, não existe fórmula para pedir a sua proteção perante ao todo-poderoso-sem-nome. E se existir tal fórmula, vou passar a vida no caminho errado. Converso com ele lá em cima, como um amigo. Não peço milagres. Aliás, não peço nada. Eu agradeço e só. Não tenho moral para tanto. Eu só quero proteção e isso ele sabe mesmo antes de eu pedir.

Este senhor é ótimo psicólogo. Ele faz as pessoas acreditarem no seu próprio potencial, algo tão esquecido de nós hoje em dia. E elas conseguem. Culpa dele? Também, de todos nós. Ele nos dá aquilo que a gente já deveria ter: força de vontade e coragem para lutar por aquilo que somos, queremos e almejamos.

Sei que minha fé é solúvel. Mas também sei que este rapaz não gosta menos de mim por isso. Respeito e admiro toda e qualquer demonstração de fé. Então me deixem com a certeza de que ele me escuta e me protege.

Sem fanatismo. Ele sequer tem um nome.


Guilherme Vilaggio

sábado, 17 de maio de 2008

Seis mil quinhetos e setenta dias

Deitada no assoalho, molhando a manga da blusa com dores de cutuvelo, dormiu. Afastou os pensamentos das noites de festa em avenida movimentada, dos abraços com cheiro de confiança, das rodinhas de violão com músicas repetidas. Desfez os sorrisos falsos. Chorava a nostalgia, e a falta de tato que tinha o passado. Era a perda, não de uma pessoa, mas de muitas personalidades. Reclamava o começo de um fim, gritava o distanciamento da juventude. Primeiro foram lhe tirando o chão, depois lhe foi imposto um teto. Os joelhos que já não funcionavam mais, dobraram e cobriram a barriga. Por horas, ainda ao assoalho, ficou em formato de feto com os olhos vendados pelas lágrimas. Abafou a respiração e passou a rir, num ponto de desespero. Deu-se conta que outra menina sentará no seu lugar, abraçará seus outros amigos, cantará as mesmas músicas e vai rir das mesmas coisas. Ninguém é insubstituível por tanto tempo.

Milena Lieto Samczuk

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Um Qualquer

Ele nunca foi tão importante. Não aparecia em sonhos, não tinha muitos trejeitos que agradavam a terceiros. Ele era menino. Já não era tão tímido na época. Sempre foi tranqüilo e gostava de correr. Literalmente. Era a primeira vez que ele buscava presentes em datas que ele nunca antes tinha comemorado. Pensava se estava fazendo direito e se a fazia feliz, sempre.

Mas não era ele e no fundo, ele sabia. Era muito lutar contra Deus, contra um, contra outro, contra o passado. Era um qualquer, qualquer um. Ele brincou de crescer e não quer mais parar. E ele ainda se pergunta “Porque jogar tanto sentimento pela janela? Porque sempre o caminho da dor?”. Porque o amor está fora de moda.

È, ele está fora de moda.

Ele foi “um momento”. E foi só isso. Ele foi brisa que passou e que não deixou marcas. E logo ele, que adorava brincar com “ponto final”, não viu nada além disso para uma história que prometia reticências..

Guilherme Vilaggio Del Russo


sábado, 3 de maio de 2008

Abstinência

Costas com a parede, braços de abraço com os joelhos. Os ponteiros que giravam eram a sua única preocupação. Ansiosa pelos minutos, o frio lhe castigava o rosto e os lábios maltratados estavam ressecados. A barriga reclamava por comida, e ela só reclamava a solidão. Quando é noite e escuro, tudo parece mudar de cor e tamanho. E assim, se via pequena demais para aquela sala, quase sem móveis. A distração cochilou nas luzes que passavam correndo pelo seu tapete, sempre que um carro dobrava a rua com os faróis acesos. Mas logo vem o sol, pontual, pensou ela. E esperava por sua visita, e pelas visitas que viriam com a sua visita. Aguardava o calor e guardava rancor.
Recobrando o gosto do passado decadente que caindo lhe trouxe até alí, como quem leva um tropeço em um lance de escadas, dois pingos de tinta vermelho sangue à cheiro de ferro, mancharam o jeans. Era o nariz chorando as sensações de poder dos tiros de rebeldia.
Ela se levantou e foi até o lixo do banheiro. Nasceu esperança de recuperar os dois anos que abandonou ao acaso. Mas já era tarde. Lembra? O sol estava a caminho.

Milena Lieto Samczuk