sexta-feira, 25 de maio de 2012

Marmita

Ouço de longe o vinil velho. O que toca nele é Raul e eu lembro de minha mãe. Ah, mãe. Saudades da época em que eu era legal não é, mãe? Pequeno, indefeso. É, eu também sinto saudades, sabia? A gente não se cabia de tanta alegria quando você nos levava ao Mc Donalds e eu sonhava em passar a vida naquele lugar. Quantas foram as vezes que eu sonhei que você não repassaria a tabuada do 8 comigo quando chegasse do trabalho. Se hoje me cobro tanto é pra não perder o costume. E você gastou tantas horas da sua vida com nós e me parece que esqueceu de viver, esqueceu-se de si. Onde estão seus sonhos, desejos, vontades, mãe? Meu desejo hoje é que você cumpra o seu. Corte o bolo e faça um pedido pra VOCÊ.

Agora entendo que você nos exigia o mínimo e não a perfeição. Porque se contentar com o 5 se eu podia ter um 9? "Não se compare com a média. Ela é pouca e traiçoeira." Seu mantra em minha memória permanente. Que bom. Consigo enxergar que você sabia exatamente o que íamos passar e quis nos deixar prontos para tudo. Missão cumprida, mãe, descanse um pouco mais, deixe o sobrenome por nossa conta.

Pode parecer que as coisas andam meio cinzas lá fora mas é só neblina dificultando um pouco mais esses raios de sol. Há dias assim e eu sei que você balança neles. A vida não é só de entrega e 8 horas debaixo da coberta. Eu ainda acho que você se doa demais pelos outros e aperta o "soneca" de menos. Se dê a chance de chegar atrasada. Não se trata de um conselho para ser egoísta: é preocupação de ver sorrir aquela que não desgruda do giz.Você já é ótima professora, mãe. Da vida.

Não ando falando muito e o mundo me ensina a dizer cada vez menos, mas sinto sua falta no dia a dia. Que você sempre fique aí, com sua meia de lã azul , um estranho gosto por filmes de desenho e me dizendo que ainda considero nossa casa, um albergue. Eu te perdoo. E te amo.

ps: passado tantos anos você já pode dizer que eu fui o melhor guardador de louças que você já viu.

Guilherme Vilaggio Del Russo

domingo, 13 de maio de 2012

olhar claro, meio verde ás vezes.

2 e 44 da manhã, whisky daqueles nacionais e duas pedras de gelo. O auge de meus 23 anos e você. Em pensamento, claro. Ninguém pensou que seria fácil.

Tô te vendo de longe faz um tempo e daqui de cima me parece que você caminha bem. O marca páginas da minha vida é que anda parado. Confesso: eu preciso de todo o cuidado. Minhas camisas xadrez também. Tem uma velha, branca e cinza que me lembra muito você, de quando a única preocupação era quem acaba primeiro a cerveja do boteco.

Mas aí vem a notícia boa: eu ainda sou o mesmo. Você diz que não é, mas ouvi de canto que você aprendeu a mentir. Que bom. Depois, vem a notícia ruim: eu preciso andar. Inclusive, eu também preciso respirar. Pra mim, um é consequência do outro. Te mando carta, te faço um texto. Mas vou caminhar. Eu preciso me achar. Um dia eu volto mas me custa acreditar que você vai estar na porta da sua casa, de pijama, dizendo (com o sorriso mais lindo do planeta) "Entra que tá frio". A merda é que eu sou um otimista por natureza. E distante por necessidade.

Sabe, não vou culpar a ninguém. Quem em sã consciência começaria algo pensando no fim. Não faz muito sentido, você deveria saber. O mundo não pode ser tão chato assim então acabei de abrir a segunda latinha de cerveja. Vou misturar mesmo e rezar pra que isso faça sentido amanhã. E não faça estrago no estômago.

E olha aí, já vem vindo a saudade me pedindo um espaço. E tem como não dar abrigo? Aquele dia dentro do carro na ladeira foi incrível, não é? Bons momentos. Mas você vai encontrar alguém que te faça ainda mais feliz. E eu vou...me encontrar, por ora. Pra mim, é o primeiro passo. Que eu nunca seja o cara de um texto, mas sim o cara da lembrança. Pura, genuína, natural. Como a gente foi. Ou será?

Guilherme Vilaggio Del Russo.